Mestres
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Sobre os motivos de não discernirmos que estamos em sonho
Cleber Monteiro Muniz - 2001
(reprodução autorizada desde que citado o autor.Texto registrado.)
Possuímos um ceticismo tão poderoso em relação à existência concreta de um mundo onírico em nosso interior que quando estamos dentro do mesmo, e disso desconfiamos, a solidez numinosa das cenas vistas nos faz crer que estamos "do lado de cá" da nossa vida.
Temos a idéia, mais ou menos inconsciente, de que não há um mundo onírico concreto e análogo ao físico dentro de nós. Essa forma de pensar é tão arraigada que, quando alcançamos em sonho a auto-indagação sobre onde estamos, a resposta quase sempre é a mesma: "Estou no mundo físico". Isso ocorre porque forjamos uma resposta condicionada sem o perceber ao invés de buscá-la cuidadosamente nos elementos oníricos presentes, deixando que o mundo dos sonhos nos dê a resposta.
O fato de estarmos diante de uma concretude numinosa é considerado por nossa consciência imatura como uma prova incontestável de que o mundo em que estamos é o exterior. Isso deriva do ceticismo em relação à possibilidade do mundo dos sonhos ser, à sua maneira, verdadeiro e concreto e da concepção de que a sensação identificadora do que é não-ilusório seja exclusivamente proporcionada pelo mundo exterior. É importante frisar bem isso: o mundo onírico é real à sua própria maneira, ou seja, enquanto um universo fantástico e imaginal dentro do homem e não à maneira do mundo físico ser real. Isso é diferente de afirmar que as ocorrências oníricas sejam parte integrante do mundo externo. Semelhante idéia seria absurda uma vez que desde o ponto de vista esclusivamente extrovertido os sonhos são realmente abstratos. Entretanto, desde o ponto de vista psíquico eles são concretos porque a psique é composta por energias e as energias não são abstratas. Elas existem e são o componente dos processos imaginais. Saiani (2000, p. 89) afirma que "a matéria e a psique são passíveis de uma interpretação energética." Entendo que não se pode considerar o energético abstrato pois isso implicaria em desconcretização de ondas. Se levássemos essa linha de pensamento avante, teríamos que atribuir um caráter abstrato a qualquer outra forma de energia de frequência ou intensidade inacessíveis aos nosso padrões mensuratórios.
O fator concretude é inadequado enquanto critério diferenciador do plano da existência no qual estamos em um dado momento. Não obstante, é quase sempre usado pelo ego, equivocadamente, como critério de discernimento entre o que é físico e o que é onírico. A tentativa de reconhecimento do teor onírico/físico de uma cena percebida por via direta em geral é feita tendo-se por base a concretude da mesma: se for concreta e nítida a consideramos externa, pressupondo, mais ou menos subconscientemente, que se a cena fosse interna seria "abstrata". Acreditamos que estar dentro de um sonho é estar envolto por névoas e imagens "virtuais", às vezes transparentes, como se o contexto intra-onírico fosse menos que o nada...
O equívoco desse critério consiste no fato de que o mundo onírico é tão concreto quanto o físico, apesar de suas peculiaridades no que se refere a leis e princípios que regem a lógica dos acontecimentos. Os processos oníricos não seguem a mesma lógica dos processos físicos. A matéria onírica, por exemplo, é altamente plástica e se modifica incessantemente a partir dos impulsos conscientes e inconscientes de pensamento e sentimento, fazendo com que os objetos psíquicos alterem a forma repentinamente. Mas isso não significa que tenham existência ilusória.
As percepções internas durante o sono são tão nítidas e numinosas quanto as externas, razão pela qual a nitidez e a concretude dos objetos que circundam o ego jamais devem servir como elemento diferenciador e proporcionador do discernimento nesse campo.
Os elementos componentes do universo dos sonhos são energéticos. Como, durante o sono, nossa consciência é pura energia (pois ao dormir abandonamos temporariamente a existência consciente sob a forma mais densa), vibramos no mesmo nível de concretude das imagens interiores, razão pela qual elas se nos apresentam como palpáveis. A sensação de tocar objetos sólidos e sentir seu cheiro e sabor em sonhos é autêntica e
advém dessa afinidade vibracional. Nela reside a origem do impacto numinoso das endopercepções.
Pelo motivo referido, é incoerente tomar a nitidez das percepções dos objetos oníricos e/ou sua concretude como critério diferenciador dos nossos universos paralelos, sejam eles pessoais ou transpessoais. O universo interior acessado durante o sono é tão concreto quanto este. O que ocorre é que existem concretudes relativas: quando a consciência está em afinidade vibratória com o mundo exterior, seus objetos lhe parecem concretos; quando ela vibra em sintonia com o mundo onírico, seus elementos lhe parecem sólidos.
Isso se explica pelo fato de possuirmos em nossa constituição vários graus de condensação da energia: há em nós uma porção mais densa e uma mais sutil. À densa chamamos corpo físico e à sutil psique. A sutileza ou densidade o são apenas em relação ao seu oposto.
O que é abstrato em um nível vibracional da consciência não o é em outro. Por isso os loucos gritam desesperadamente e os pesadelos nos aterrorizam, na hora em que acontecem. Os objetos sólidos do mundo exterior são agregações energéticas cuja intensidade centrípeta é suficiente para provocar peso e dureza. Algo similar ocorre em outros níveis de consciência com as energias psíquicas.
A consciência que está no corpo é parte de sua constituição energética. Ela possui elasticidade e variabilidade vibracional, indo da sintonia com agregações densas de energia até a sintonia com agregações ultra-sutis, as quais são consideradas, de um ponto de vista usual e externo, como desagregações.
Como quase todos nós, ocidentais, somos, inconscientemente e numa certa medida, materialistas, por nos polarizarmos violentamente na extroversão, quando estamos em outra dimensão de nossa vida não acreditamos nisso. Nos acostumamos a duvidar da existência de outros mundos paralelos ao vígil.
O ceticismo arbitrário com relação à existência de um verdadeiro mundo interior é, portanto, um dos motivos pelos quais o ego não alcança discernir que se está na dimensão desconhecida durante o sono.
Outro motivo é a fascinação. Em nossa vida consciente, nos condicionamos a viver fascinados por todos os elementos externos e a nos esquecer de nós mesmos. Em virtude disso, a tendência de fascinar-se enraizou-se demasiadamente em nossa cultura e em natureza psíquica.
Quando dormimos e nos deparamos com elementos denunciadores de que estamos sonhando, como certos acontecimentos impossíveis que desafiam a lógica tridimensional (elefantes arborícolas, ratos que cantam heavy metal etc.), nos fascinamos pelos mesmos e nos esquecemos de observar os objetos que fazem parte da cena onírica que nos rodeia à procura de fatores de diferenciação que possam nos proporcionar de modo inequívoco o reconhecimento da dimensão em que estamos.
Ao invés de observar os elementos internos mantendo a recordação de nós mesmos, sem nos fascinarmos, nos identificamos com eles. Trata-se de uma distração: ficamos distraídos com os acontecimentos interiores e nos esquecemos de discernir.
Temos uma consciência egóica, adormecida, anestesiada e insensível para os fenômenos sutis que fazem parte de nossa constituição interna e por isso não são muitas as pessoas que alcançam um despertar intra-onírico.
Referência bibliográfica:
· SAIANI, Cláudio. Jung e a Educação: Uma análise da relação professor/aluno. Primeira edição. São Paulo: Escrituras, 2000.
Dados do autor para bibliografia:
Monteiro Muniz C - Sobre os motivos de não discernirmos que estamos em sonho, in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, 2001, disponível em http://sites.uol.com.br/gballone/colab/cleber5.html#2
fonte:http://gballone.sites.uol.com.br/colab/cleber5.html#2
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