O homem desenvolve seu sistema de representações, com seus símbolos próprios, de acordo com a cultura, a organização social, política e histórica de sua sociedade. Na nossa civilização, percebemos que a substancialidade dos contatos cotidianos, a comunicação entre as pessoas, cada vez mais se fragiliza. Prisioneiro do medo, vítima da violência, distanciado de valores “antigos” de solidariedade e justiça social, o homem contemporâneo fecha-se no seu desamparo e, como habitante do mundo das imagens, mergulha no isolamento, na tecnologia, na eletrônica, na realidade virtual, na tentativa de satisfazer aos seus desejos, afetos e pulsões, afastando-se de suas possiblidades de existencialização.
Então ele sofre! Sofre com o constante estranhamento do mundo real, sofre por não mais se reconhecer, sofre com a perda de sua identidade, de sua unidade; sofre com a consciência de sua finitude.
“ E quando cheguei de minha solidão e pela primeira vez passei por esta ponte: não podia crer em meus olhos, e olhei, olhei ainda.. .....Passo em meio aos homens, como em meio a fragmentos do porvir: do porvir que eu contemplo. E o sentido de toda a minha ação é que eu imagine como um poeta e recomponha em uma unidade aquilo que é fragmento, enigma e horrorosa casualidade” Nietzsche – Assim Falou Zarathustra
Este é o homem que procura o psicólogo clínico. Um homem atravessado por um mal estar que o desestabiliza, o afeta, o transforma e transtorna.
“E que a força do medo que tenho, não me impeça de viver o que eu sei. Que a morte de tudo o que acredito não me tape os ouvidos e a boca. Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra metade é o silêncio.” Osvaldo Montenegro – Metade
O psicólogo vem como o intercessor para que este estranho emerja, seja nominado e o informe deixe de ser visto como negativo. Para que as diferenças sejam acolhidas e possam tornar-se “propulsoras do processo de potencialização da vida”, (Ana Lúcia Francisco) este intercesor tentará entender o campo de forças vigente e em emergência que está em ação no conflito, criando condições de escuta, dando passagem, ao que está em vias de diferir.
O trabalho teórico, não se limitando à ordem do psicológico, preso apenas ao passado ou às instâncias psíquicas, visto dirigir-se ao sujeito da co-existência, envolve a transversalidade entre as várias áreas de conhecimento, cartografando o contexto singular deste homem em processo de transformação, do ponto de vista histórico, social, econômico, religioso.
...”nosso ser é mais vasto do que o mundo: pelo nosso coração – sentimento e imaginação – somos maiores do que o mundo, criamos outros mundos possíveis, inventamos outra realidade.” Marilena Chauí – A Liberdade
Entendendo esta polifonia do homem em seu universo, busca-se alternativas para pensar e funcionar em sociedade, vendo o caos como “portador virtual de crescimento”.
Um novo conhecimento está sendo formado, um novo homem querendo surgir, querendo vir a ser. Um homem múltiplo de vontades, idéias e possibilidades. Um homem criador, inventor, afetador.
Nós somos este homem? Estamos preparados para um encontro com este homem? Estamos conscientes de nossa função no mundo contemporâneo? Exercemos nossa cidadania? Somos compromissados com nossa sociedade? Aprendemos e ensinamos a ser sujeitos?
“Quanto mais prevalecer o desejo de objetividade, em detrimento do de solidariedade – ou dito em termos freudianos, o fechamento identitário, em detrimento da possibilidade identificatória - , mais tenderemos a nos encapsular numa definição mesquinha de “nós”. Exigiremos então dos “outros”, dos que não se “adequam”, dos que não cabem em nossas estreitas definições, o ônus da comprovação de nossa “verdade” ou seja, “superioridade” através de seu rebaixamento, humilhação ou patologização”. Daniela Ropa – Ela é...o que você quizer
Para que a clínica possa ter um sentido não podemos pensar fora do processo histórico, fora do constante processo de transformação do homem e do mundo. Acolhendo a diferença, a vida como finita mas como potência, o homem como devir, singular porque múltiplo, estaremos criando nossa existência engajados num projeto de futuro.
Eleonora Fonseca Vieira, 1999
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