Pensar a clínica na contemporaneidade implica, primeiramente, em compreendê-la relacionada ao contexto histórico, social, econômico, político e valorativo vigente em nossos dias. Sem uma compreensão da realidade e um percepção do homem como produtor e produto de seu mundo, não há como se fazer clínica na atualidade, visto as problemáticas sociais, econômicas e políticas obstaculizarem o fluir da criatividade do sujeito.
Partindo-se de uma visão de homem em constante vir a ser, criando e recriando modos de existencialização, reconhecemos a processualidade de sua subjetivação. Entretanto, percebemos que historicamente o homem vem sendo incapacitado a criar, preso a valores culturais de uniformização e reprodução. O diferente é então visto como excêntrico ou louco, marginalizado e excluído.
O homem contemporâneo encontra-se em estado de perplexidade, ainda preso aos modos de pensar e viver da modernidade, sem que estes dêem conta de seu mal estar e questionamentos. Ante ao informe que se apresenta, ao conflito pelo confronto com sua finitude e incompletude, teme a desintegração. Esta é a “doença” dos nossos tempos – o medo da perda da vida, a não aceitação do caos como portador e condição, para o crescimento. A “doença” então, deve ser vista como um processo, como uma luta de forças interiores e exteriores frente ao novo campo que se apresenta; como condição para o criar, o formar, o transformar. No criar artístico, assim como na vida, “todo construir é um destruir”.
O primeiro objetivo da clínica deve ser, portanto, possibilitar espaços de criação; possibilitar ao homem sair de seu aprisionamento para poder caminhar. Dada à imobilização dos processos criativos deste homem contemporâneo, faz-se muitas vezes necessário um exercíciio no concreto, pois estruturando a matéria, também se estrutura dentro de si. A partir do ato criador concreto é despertada a capacidade de compreensão – relacionando, ordenando, configurando – dando significado às situações de vida. Criando no concreto o homem torna-se livre para criar formas de existencialização.
Assim, as intervenções junto a este homem desamparado, devem dirigir-se à escuta das linhas de virtualidade de cada contexto, à escuta deste habitante estranho em nós, possibilitando experimentar o efeito diferenciador da alteridade, articulando nosso ser dentro do não ser. Devem objetivar uma cartografia das forças e fluxos vigentes e as que estão emergindo, constituindo-as em nossa bússola interior, tendo como referência os princípios estético, ético e político.
De uma perspectiva estética, a clínica tem caráter criador, representa o fazer permanente da existência; é a obra de si mesmo. O princípio ético viabiliza espaços existenciais comprometidos com a produtividade do ser, com sua capacidade de fazer escolhas, assumí-las e ser responsável por elas. O princípio político refere-se às mudanças nas formas de subjetivação, criando condições para que sejam firmados novos modos de existência.
Tal como Leonardo da Vinci, poderemos nos tornar intercessores dos processos criativos, veículos do emergir da forma-palavra, capaz de converter a expressão subjetivada em comunicação. Assim, a clínica contemporânea promoverá a interpenetração da arte com a ciência.
“ O caminho é um caminho de crescimento. Seu caminho, cada um o terá que descobrir por si. Descobrirá caminhando. Contudo, jamais seu caminhar será aleatório. Cada um parte de dados reais; apenas o caminho há de lhe ensinar como os poderá colocar e com eles irá lidar. Caminhando saberá. Andando o indivíduo configura seu caminho. Cria formas, dentro de si e ao redor de si. E assim como na arte o artista se procura nas formas da imagem criada, cada indivíduo se procura nas formas do seu fazer, nas formas do seu viver. Chegará a seu destino. Encontrando, saberá o que buscou”. Fayga Ostrower – Criatividade e Processos de Criação
Eleonora Fonseca Vieira, 1999
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