"A loucura estava inscrita
no mundo, fazendo parte de suas paisagens, sejam estas reais, imaginárias ou simbólicas. A experiência da loucura se inscrevia nos
rituais comunitários, estabelecendo-se, pois, um diálogo vigoroso com o
mundo. No imaginário estético de então,
seja literário, seja este oriundo das artes plásticas, a loucura era um espaço
oracular de enunciação da verdade. Tudo isso constituiu o que Foucault chamou
de experiência trágica da loucura. Foi
esta então que foi sendo progressivamente desqualificada com o surgimento da experiência crítica da loucura, que
constituiu paulatinamente uma outra tradição na qual a razão como Outro se
instituiu como o operador fundamental contra a desrazão. Com isso, inscrita no
território escatológico da desrazão, a loucura passou a perder não só o seu
poderde dizer a verdade, mas também de dizer enquanto tal, já que esse poder
passou a ser regulado pela razão.
Nesse contexto, em que a
experiência trágica da loucura passou a ser inserida apenas no território
obscuro da desrazão, a loucura continuou a ser plasmada em prosa, verso e cores
nas tradições literária e estética, amputada e desvalorizada que foi do seu
poder de dizer no registro da razão. Em contrapartida, a experiência critica,
definindo agora a hegemonia assumida pelo território da razão, colocou
progressivamente a loucura como sendo sempre suspeita e inscrita nos limites do
inaudível. A loucura foi então definitivamente dessacralizada, marca eloquente
que ela ainda tinha no Renascimento e que era oriunda da antiguidade. Essa
perda do traço do sagrado implicou o esvaziamento do seu poder oracular, isto
é, do seu potencial de dizer qualquer coisa, de enunciar o verdadeiro. Enfim, a constituição da psiquiatria no
século XIX, como um saber específico sobre a loucura foi o coroamento da dita
tradição crítica e de domínio inquestionável da razão sobre a desrazão.”
Joel Birman, Entre cuidado e saber de si - sobre Foucault e a Psicanálise
Sem a loucura como poderíamos imaginar os deuses. Sem a loucura como poderíamos nos apaixonar?
ResponderExcluirA desrazão nada mais é que uma maneira de se atingir um objetivo sensorial sem limites...