Segundo Antônio Luiz de Medina, o pensar metafórico – imagético – precedeu o pensar conceitual lógico linear, nos levando a concluir que o “processo primário de nossa mente é o imagético-metafórico e que, na realidade, criamos conceitos lógicos, o processo secundário, a partir dessas imagens primordiais”. (A Metáfora Terapêutica, in Imagens da Transformação, Nº 4, vol. 4, 1997, pag. 24) Partindo do ponto de vista da existência primeira da imagem para a partir dela o pensamento poder se estruturar e a consciência se desenvolver, reconhecemos a arte como a linguagem mais completa para e expressão e o reconhecimento do mundo interior dos sujeitos, constituindo-se em elo entre o sensorial e o simbólico. O trabalho de realização artística embora represente o tempo cultural de uma civilização, marca o que temos de individualidade e unicidade.
Fazendo uso da arte como veículo terapêutico, vemos que por intermédio da lei da matéria podemos encontrar uma forma de expressão e representação onde a palavra não está presente ou não se mostra possível, em virtude de limitações de ordem física, psíquica ou afetiva.
O estímulo à criatividade artística é ponto presente nos ateliês terapêuticos e/ou pedagógicos e a obra resultante das atividades tem por função tornar-se signo, colocando o sujeito compreensível na ordem de um código. Oferecendo ao sujeito a possibilidade de uma nova significação, estamos possibilitando mudanças e novas maneiras de se fazer amar.
Para que possamos desenvolver uma proposta de uso da arte com fins terapêuticos, alguns pontos devem ser observados:
# ambiente: tratando-se de uma clientela via de regra com baixo poder de concentração, a sala-ateliê deve ser resguardada de estímulos outros que não os propostos pelos técnicos, pois a partir da criação do espaço externo torna-se possível a criação de um espaço interno.
# mobiliário: mesa de fácil limpeza, cadeiras ou bancos com altura compatível à da mesa, cavaletes, armários para guarda do material de consumo, prateleiras para exposição dos trabalhos executados
# material: o material a ser utilizado é de fundamental importância. Deve ser adequado e de boa qualidade para possibilitar a expressão artística, principalmente quando destina-se a sujeitos que já apresentam algum tipo de limitação. Deve facilitar a proposta tanto do ponto e vista físico-motor, quanto ao nível terapêutico.
# pincéis: devem ser chatos, largos pois respondem mais rápido a qualquer idéia ou sentimento que surja, de cerdas macias mas resistentes. Os de cerdas muito moles ou roliços não resistem à grande pressão empregada e os muitos duros arranham a folha, não se prestando para pintura por quem não tem domínio motor consciente para este ato.
# suporte: o suporte para o trabalho a ser executado é muito importante. Como o próprio nome diz suporte é o que possibilita a expressão plástica, do ponto de vista literal, mas não podemos deixar de ter em conta a sua significação metafórica; papéis, tecidos, telas, madeira, objetos, devem ser de qualidade, devem valorizar o que vai ser inscrito em sua superfície.
# tintas: cada tinta destina-se a um determinado suporte, tendo uma qualidade específica que corresponderá a um objetivo a ser alcançado – transparência, densidade, luminosidade, sutileza – independente das cores utilizadas. Com relação às cores, gosto de apresentar unicamente as cores primárias, mais branco e preto, se necessário e de acordo com a faixa etária. As demais cores vão sendo descobertas e criadas por cada um. Creio que ao se oferecer logo as cores secundárias tira-se esta possibilidade de criação, principalmente para aqueles que não dominam a expressão da forma ou sua colocação no espaço. Apenas pela criação e utilização das cores o sujeito tem oportunidade de se expressar e o terapeuta de poder observar seu mundo interior, seu estado de ânimo naquele momento, seus conflitos.
# planejamento: cada expressão artística atende a objetivos específicos visto a arte no ateliê terapêutico não se prestar apenas a ocupar, mas visar reabilitar, ser instrumento de apoio terapêutico tanto psicológico como motor, pedagógico e de aprendizagem formal para a vida prática.
Diversos tipos de expressão artística devem ser oferecidos e sua utilização observada. A partir daí pode-se escolher para cada cliente uma atividade que seja a sua melhor forma de realizar-se e propor, além dos trabalhos em grupo, atividades individuais específicas, visando tornar-se o veículo próprio de expressão do sujeito e sua possibilidade de ser ponte para uma integração à vida cotidiana.
É de fundamental importância um fazer com sentido, um fazer de algo que fique, que sirva para alguma coisa. Um ateliê de artes plásticas reabilitador deve envolver atividades de desenho, pintura, modelagem, construção espacial, costura, que tenha por objetivo, além do fazer terapêutico e de ajuda para a vida prática, viabilizar uma possível profissionalização.
Todos são capazes de criar algo de expressar o belo – o seu próprio belo – mas é importante que acreditemos nesta verdade. Não há material “proibido”. A rejeição a determinadas atividades é natural, cabe a nós reconhecê-la e criarmos situações que permitam a sua superação. Esta rejeição é o “pote de ouro” de nosso trabalho e atenção, por que desperdiçá-lo?
Eleonora Fonseca Vieira, 2000
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