Procurando o significado etmológico da palavra ama, percebemos uma ambigüidade, pois ao mesmo tempo que refere-se a criadas, mulheres que cuidam de crianças, também define a senhora, a patroa, a dona da casa.
No dicionário Caldas Aulete encontramos uma referência ao sufixo ama traduzindo a idéia de grande quantidade, de abundância.
Com relação à origem da palavra não há um consenso, surgindo a hipótese de procedência latina, significando alma, criadora. (Caldas Aulete, ) Esta dificuldade de certeza quanto à origem da palavra parece se perpetuar na ambigüidade de significação, bem como no próprio papel da ama negra na sociedade brasileira. A mesma escrava sem liberdade e reconhecimento social, torna-se aquela que exercerá os cuidados com os filhos brancos das famílias. Ela os amamentará, os acariciará; contará histórias, lendas e costumes de sua terra distante, de uma outra cultura. Ela exercerá a função materna, dará um “corpo” àquela criança e mais tarde, provavelmente, uma outra negra iniciará sexualmente o “sinhozinho”.
Segundo Tarlei de Aragão (1991, pg. 33)
“ Essa afetividade habitada por uma sensualidade difusa, que é passada nos brancos pela mãe preta, mas também pelo próprio contato das relações sociais, marca de uma forma geral o brasileiro do nascimento até a morte.”
De outro lado ficará a mãe biológica ocupando seu lugar sagrado, puro, interdito. Santo Agostinho, citado por Badinter (1985) interroga se não seria pecado desejar o seio chorando. A amamentação era temida por poder tornar-se um “prazer voluptuoso” tanto para a mãe como para a criança.
Creio que não poderemos pensar no papel da ama de leite para a formação da sociedade brasileira e pernambucana, sem nos remontarmos ao mito da Grande Mãe. Gilbert Duran (1963), citado por Alfredo Antunes (1999) diz que em todos os tempos os homens imaginaram uma grande mãe. Na cultura afro as deusas mães estão presentes – a deusa bela, distante, sagrada, atributos maternos da mãe inacessível, mas também protetora e consoladora. Nestes cultos também aparece a interdição à aproximação do filho para a mãe, ocorrendo freqüentemente de forma disfarçada e simbólica, motivos de punição. (Ramos, 1934)
Também será necessário tentarmos levantar um perfil da ama de leite em Pernambuco no século XIX. João Alfredo dos Anjos (1997), tendo como base referências feitas por Gilberto Freyre (1992) sobre a possibilidade da utilização dos anúncios publicados em jornais do século XIX para a realização de uma pesquisa histórica, dá início ao seu trabalho sobre o papel das amas na formação da criança brasileira a partir de um anúncio publicado no Diário de Pernambuco em 24 de novembro de 1844.
A amostragem realizada pelo autor verifica a grande demanda por amas de leite neste período, sem que se pudesse identificar uma preferência por escravas ou mulheres livres. Constata porém, uma certa incidência em relação a amas jovens, embora a pouca idade não representasse uma particularidade das escravas, pois as “senhorinhas” com apenas 12 ou 13 anos de idade, já iniciavam suas funções reprodutoras. Havia sempre a solicitação de “bom e abundante leite”, bem como de “bons costumes”.
Expandindo sua pesquisa histórica para fora da realidade brasileira e não se detendo ao século XVIII na França, quando este costume era regra geral, João Alfredo (1997) identifica uma anterioridade que remonta ao período bíblico e ao antigo Egito, tendo encontrado referências a amas no Código de Hamurábi e em documentos gregos e romanos.
Embora tenha verificado o início de um movimento pelo aleitamento materno em meados do século XIX, considera com base em De Mause (1975), que
“ na raiz do problema parece Ter estado um sentimento de aversão pelo ato de amamentar, chegando o aleitamento a parecer a alguns como sujo e animalesco”. (dos Anjos, 1997, pg. )
Considerando haver distinções claras nas formas de cuidado das crianças pelas amas e pelas famílias na Europa e no Brasil, dos Anjos (1997) defende a existência do amor materno e fiscalização das amas pelas mães brasileiras, bem como uma relação afetiva entre crianças e amas, diferentemente da Europa, quando se verificavam inúmeros casos de maus tratos, abandono e morte.